O Cavaleiro da Esperança e a representação de um povo através da literatura


Renan Messias
Giovanna Pissolato


A busca de características que refletem a identidade brasileira é uma consequência para enfrentar as crises políticas, sociais, culturais e econômicas que o Brasil vem enfrentando. As tensões que moveram instabilidades políticas brasileiras nos últimos anos contribuíram, e muito, para um descontentamento da população e, com isso, o sentimento de insatisfação e a perda do orgulho de ser brasileiro.
Isabelle Stengers, importante filósofa belga e autora do livro “Tempo das Catástrofes”, apresenta em sua obra relações de crises naturais, econômicas e políticas associando a problemáticas sociais.
Como toda crise, como o próprio nome diz, é um período de instabilidade, na qual somos submetidos a trabalhar com variáveis e momentos de incertezas. É um momento, sobretudo, de enfrentamento. “[...] estávamos terrivelmente mal preparados para enfrentar o que está acontecendo.” (STENGERS, 2015, p.5)
Um dos problemas apresentados pela belga em seu livro está relacionado ao processo de globalização, que vem contribuindo com grande homogeneidade em todo o globo, tanto em escalas maiores, quanto menores.
“Vivemos tempos estranhos, um pouco como se estivéssemos em suspenso entre duas histórias, que falam ambas de um mundo que se tornou “global” (STENGERS, 2015, p.7)
O Professor do Departamento de Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, URFJ, apresenta em seu capítulo do livro “Geografia: conceitos e temas”, um estudo, atrelado a uma investigação cientifica acerca dos conceitos que envolvem a Região. Uma das problemáticas que ele enxerga e propõe em eu seu estudo está relacionado, justamente como propõe Isabelle, o desenvolvimento da globalização.
A globalização é um movimento de homogeneidade cultural, e, com isso, os movimentos regionalistas atuam com força nesse contexto, como movimentos de resistência à homogeneidade; movimento de defesa das diferenças, além de direito à exclusão e a indiferença, buscando sempre, ressaltar as diferenças culturais, sociais e de povos.
Com isso, esses movimentos buscam aspectos de uma origem em comum para reivindicar seus propósitos, semeando o nacionalismo e unificando forças.
Quando pensamos no Brasil, as recentes crises políticas, que entram em questões morais, éticas e atingem em cheio a população, afetam em outras instâncias, como a economia e o social. Além dessas instâncias, o brasileiro, cansado de sofrer com instabilidades e injustiças, vem perdendo seu orgulho de pertencimento a essa nação que conta com as mais variadas formas de representações culturais, representações essas que sempre foram motivos de engrandecimento da nação e do patriotismo.
Ainda na questão global, seguindo as instabilidades, Isabelle apresenta as desigualdades e a luta pelo emprego como consequência da crise econômica e da globalização.
[...] desigualdades [...]. Trata-se com certeza de uma globalização, e isso, antes de tudo, do ponto de vista das ameaças que se aproximam.”. “A “mobilização pelo crescimento” atinge os trabalhadores “dos nossos países”, submetidos a imperativos de produtividade intoleráveis, como também os desempregados, visados pelas políticas de ativação e de motivação, intimados a provar que passam seu tempo procurando emprego, e até mesmo obrigados a aceitar qualquer “bico”. A caça aos desempregados está aberta.(STENGERS, 2015, p.11-12.)

Stengers associa até a catástrofe natural como uma evolução em crise, quando faz uma relação ao furacão Katrina, que atingiu em especial a parte leste dos Estados Unidos.
Se houve barbárie em New Orleans, ela aconteceu na resposta dada ao Katrina: o abandono dos pobres, enquanto os ricos encontravam abrigo. E essa resposta não se refere a essa abstração que alguns chamam de “egoísmo humano”, mas àquilo contra o que eles próprios lutam àquilo que, depois da promessa de progresso, pede que aceitemos o caráter inelutável dos sacrifícios impostos pela competição econômica mundial – o crescimento ou a morte.(STENGERS, 2015, p.14.)
Por fim, seu livro e sua suposta teoria é explicada em um parágrafo síntese da filósofa Belga.
“[...] é o que este livro tenta, contribuir para formular essa questão de um modo que nos force a pensar no que deve ser feito para que exista a possibilidade de um futuro que não seja bárbaro. ” (STENGERS, 2015, p.16.)
O presente artigo também é influenciado, assim elaborando certa intertextualidade, com a obra “O Cavaleiro da esperança” de Jorge Amado, obra essa de 1941, mas que nunca foi tão atual quanto hoje.
Na obra, acompanhamos uma biografia, de um modo não convencional, de Luís Carlos Prestes, símbolo de luta e resistência contra o governo autoritário de Getúlio Vargas na época. O próprio Jorge Amado admite que seu trabalho se trata de um livro político, com intenções claras: além de buscar a anistia de Prestes, temos uma obra que incita os brasileiros a salvarem o Brasil da grande crise política e cultural que vivia, buscando, assim, suas características nacionais.
“Na luta pela anistia, pela democracia e contra o Estado Novo, mas principalmente contra o fascismo, este livro foi uma arma. [...] Este é um livro político, escrito para a campanha de anistia, para a liberdade de Prestes”. (AMADO, 2011, p.11.)

Jorge, assim como grande parte dos escritores regionalistas e da década de 30 tinham um caráter de crítica ao governo opressor em seus romances, sendo eles reprimidos, censurados e, no caso do escritor baiano, exilados.
O Cavaleiro da esperança foi um dos livros do escritor que foram queimados em praça pública, com a justificativa de que se tratavam de livros comunistas e contra o governo de Vargas.
Logo no seu prefácio para a edição brasileira publicada em 1942, Amado propõe uma ideia para que o Brasil tomasse as rédeas.
“O governo que nascer das eleições deve ser, para poder cumprir a sua missão histórica de dirigente da sexta potência mundial, necessariamente de unidade nacional, sem o que só nos restaria a desgraça de guerra civil”. (AMADO, 2011, p.13.)
Mas os movimentos de resistência brasileira na época eram censurados e silenciados, existiam sim grupos opressores todos àquela situação, buscando saídas. Jorge Amado, acredita que as ferramentas para combater de forma eficaz a questão seria buscar através da arte e cultura.
A verdadeira inteligência brasileira resistia, no entanto, por vezes apenas com o silêncio, mas resistia. [...] Em compensação abre-se uma radiosa perspectiva para a literatura e a arte brasileira com a volta da liberdade, com a liquidação do nazifascismo, com a possibilidade de discutir os problemas brasileiros, de criar sobre a realidade do povo”. (AMADO, 2011, p.14.)
Diante de uma crise, como vivemos hoje e a vivida por Jorge Amado, guardada as proporções, contam com uma necessidade de resgatar nossas características enquanto povos unificados para sair dos conflitos. São as características, sentimentos, patriotismo e os interesses em comum que fazem surgir os “heróis” nacionais. O caos do espaço para possíveis milagres.
“Um dia o povo negro do Brasil, escravo e desgraçado, fez o milagre de poesia que foi o poeta Castro Alves. Um povo que não podia falar precisando de uma voz que clamasse. Fez o milagre da mais bela das vozes”. (AMADO, 2011, p.19.)
Surgindo assim o herói nacional, com suas representações e individualidade.
Herói, que coisa tão simples, tão grande e tão difícil! Que palavra mais linda! Só o povo, [...], concebe, alimenta e cria o Herói. Nasce das suas entranhas que são as suas necessidades. Nasce do povo, é o próprio povo máximo das suas qualidades. Como o Poeta, vai na frente do povo. O Poeta e o herói constroem os povos, dão-lhe personalidade, dignidade e vida. São momentos supremos na vida de uma nação e na vida de um povo. Tão necessários como o ar que se respira, a comida que se come, a mulher que se ama. [...] o povo nunca se engana. Ele sabe como é a voz dos seus poetas, porque é a sua própria voz. Ele reconhece a figura dos seus heróis porque é a própria figura. [...] . Seu coração e seu pensamento estão com seu Poeta e o seu Herói, sua voz e seu braço.(AMADO, 2011, p.19-20.)
A literatura é a representação de um povo e assim, seus heróis presentes.
A globalização tende a omitir e excluir as culturas locais, tem a finalidade de tonar o mundo um local homogêneo culturalmente, disseminando a cultura do país dominante, desenvolvido, excluindo assim ritos locais que acabam sendo esquecidos e não transmitidos de forma a tornar o global mais pluralizado. “Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal”. (SANTOS, 2001, p. 19)
As culturas locais necessitam de uma valorização, a escrita local, as tradições nacionais, para que haja uma diversidade cultural mais agregadora e múltipla, como diz Milton Santos (2001), sobre uma sociodiversidade mais significativa que a própria biodiversidade.




Renan Messias: Escritor, blogueiro e geógrafo em formação pela Universidade de São Paulo (USP).

Giovanna Pissolato: Geógrafa em formação pela Universidade de São Paulo (USP).

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