Sobre a arte de não fazer nada - Por Camila Martins






E então num almoço ou jantar com amigos ou familiares vem aquela frase:
— Ah, deixa que a fulana faz, ela não tem nada pra fazer mesmo. —
E todos concordam, menos a fulana.
Sabem quem é a fulana em questão? Sim, uma escritora que trabalha em casa.
Assim como eu, assim como muitas!
Sério mesmo que não temos nada para fazer? Então deixa eu te contar como
é um pouco da rotina de uma escritora, mãe, esposa e dona de casa que
não faz nada: Pela manhã, temos uma casa cheia de bagunça e um
filho para tirar da cama e alimentar. Depois que a criança está alimentada,
vamos lavar a louça que pode ter acumulado do jantar e algumas xícaras
do café. Arrumar as camas, lavar o banheiro, limpar o chão e cuidar da roupa,
enquanto o filho está assistindo desenhos, porque logo os desenhos acabam
e ele vai badernar mais um pouco. Resumindo: serviço da casa nunca acaba e
tudo bem, temos que aceitar.
O almoço foi servido, a cozinha foi limpa e então amigos, vamos para o
computador trabalhar.
Pode não parecer, mas estamos sim trabalhando e não tendo um momento
descontraído de lazer. Não há o que questionar sobre isso. PONTO.  
Abrimos o Word e começamos a escrever o capítulo, tendo como pano de
fundo o som dos resmungos dos filhos ou da televisão ou dos dois.
O capítulo não está fluindo muito, a inspiração demora a vir, nem
sempre os personagens falam com a gente durante os intervalos (mas
quando falam, nem nos deixam dormir).
Decidimos divulgar o livro um pouco para ver se alivia a pressão.
Porque sim, somos escritoras, mas também temos que aprender a
arte do marketing e do design. Não temos grana, temos que nos virar nos
30 pra fazer de tudo um pouco.
 Abrimos um programa para criar um banner legal. Daí caçamos
uma imagem bem maravigold para chamar a atenção porque senão flopa que
é uma beleza nos grupos. Voltamos para o Word e escrevemos mais umas
cinco linhas e em seguida para o banner, ajustando algumas coisinhas para
ficar bonitinho.
Vamos na aba do facebook e carregamos a imagem, não sem antes interagir
com os leitores ou indicar nossos livros nos posts dos grupos em que eles se
encaixam.
Postamos o banner com uma legenda chamativa, daquelas que tem que
começar muito intensa, ou seja: ou muito hot ou muito dramática ou muito
romântica ou muito assustadora e terminar com aquele gostinho de:
pelamooooor preciso do resssstoooo!
E isso meus amigos, não é nada fácil, porque o muito maravilhoso para mim
pode não ser para a maioria da população do facebook.
Acabamos de divulgar em 29 grupos (rezando para o tio Mark não marcar
como spam e nos bloquear) e voltamos para o arquivo que está com uma
página escrita e temos vontade de chorar. Aproveitando dessa tristeza,
começamos a digitar e o texto vai fluindo, está ficando bom! Daí o filho
chama porque quer comer ou quer ir no banheiro ou quer fazer um
dinossauro de papel e temos que socorrer. Saímos do computador e
vamos brincar com ele, porque somos mães e mães amam mesmo quando
nos incomodam.
Após uns minutos, quando o filho cansou da nossa cara, voltamos ao PC e
temos que olhar os posts nos grupos para upar nosso banner que tinha
ficado lindo e baphonico, mas ninguém deu bola. Os “ups” precisam ser
diferenciados, senão também viram spam.
O marido chega e toma conta da criança e nos dedicamos de corpo e alma
ao texto que está muito interessante. Já são 20h e estamos ali, dividindo
nosso coração. Os dedos percorrem o teclado numa agitação maluca,
estamos debruçadas, com dor nas costas, mas seguimos porque está quase.
Enfim o ponto final. 22h. Se parar para analisar, foram 8 horas de trabalho,
assim como qualquer outro funcionário. Estamos exaustas. Moídas.
Com dor na lombar. A bunda quadrada. Mas, ao reler o texto, ficou tão
bom que sorrimos. Valeu a pena e vai valer no dia seguinte também.
Quanto ganha um trabalhador de 40 horas semanais? Quanto ganha uma
escritora, dona de casa, mãe e esposa com a mesma carga horária? Não dá
para comparar. A diferença é gritante. Nosso texto vale muito pouco,
há quase nenhum consumo de cultura no país.
Vamos ganhar um mísero trocado com as vendas da Amazon.
Povo acha que ficamos milionários lá! Haha! Quem me dera se minha
página lida valesse ao menos 10 centavos. Amigos, quando chega a um
décimo disso, saímos bem.  
— Ah, deixa que a fulana faz, ela não tem nada pra fazer mesmo.
Realmente, se isso é nada, eu faço nada mesmo. E com gosto! E faço muito.
Todo o santo dia. Minhas leitoras amam o que eu escrevo. Se não fossem elas,
eu ainda seria a menina que escrevia em diários.
Só quem tá ali do nosso lado para ver nossa batalha diária e valorizar.
Eu faço bastante coisa, não sou preguiçosa. Só que você não vê. E o fato de
você não ver, não muda o fato de que eu trabalho tanto quanto você.
E, ah, como eu amo o meu trabalho! O amor não paga as contas, mas vale
muito, pois torna meus dias muito mais ricos!

Valorize! Valorizar também é uma arte.

2 comentários

  1. Uau!
    Incrível!

    Me senti representada aqui. No meu caso, além de escrever, me dedico também a música. E dinheiro mesmo não ganho nada por enquanto porque estou no processo de conquistar público e identidade de autor.

    Enfim... É um trabalho lindo e árduo!

    A recompensa é o resultado da leitura, quando os leitores dizem que se divertiram e aprenderam.

    Parabéns, Camila Martins!

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  2. Adorei, porque a realidade é mesmo essa também para alguns escritores homens, em menor grau, claro, mas também assim.

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